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O campo: a horta como salvação - Trecho da reportagem: “O combate à fome: uma guerra que o Brasil quer globalizar, de Naiara Galarraga Gortázar
As terras onde está a pequena cidade de Rio Formoso (Pernambuco) eram, no século XVII, vastas extensões de monocultura da cana-de-açúcar que o Brasil exportava para a Europa. Foi aqui que a família da agricultora e sindicalista Sandra Gomes dos Reis, de 47 anos, encontrou o caminho para a prosperidade. Quando era criança, enfrentaram um período de escassez, quando seu pai ficou doente a horta mal dava para subsistir. Sua mãe, Ilaete, de 65 anos, teve uma infância ainda mais difícil. Quando era pequena, a única maneira de conseguir uma bolacha era fingir que estava doente.
Agora, além de plantar mandioca, também cultivam tomate, milho, coentro, têm coqueiros, cajueiros, bananeiras, mangueiras, acerolas e criam galinhas. Graças ao impulso das ajudas sociais e da agricultura, entraram em um círculo virtuoso que proporciona uma renda e uma dieta familiar mais saudável para a família e das pessoas que compram seus produtos.
A alimentação da família é rica e variada, com diferentes frutas e hortaliças, além de legumes e frutos do mar que pescam nos manguezais vizinhos. Acabaram-se as salsichas e outros ultra processados que por um tempo complementaram e temperaram as refeições.
A produção aumentou a ponto de conseguirem vender o excedente. Boa parte é comprada pelo governo federal através do Programa de Aquisição de Alimentos, que alcança 80 mil agricultores e agricultoras familiares. Toneladas de frutas e hortaliças são distribuídas entre famílias locais necessitadas. Sandra Dos Reis, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares de Rio Formoso, mobiliza a vizinhança para negociar de forma coletiva com as autoridades e também lidera reuniões com os candidatos à prefeitura.
O governo Bolsonaro foi um golpe devastador para a agricultura familiar. De repente, acabaram-se as compras governamentais, uma fonte de renda garantida para famílias que durante gerações viveram à mercê do clima na miséria. “Bolsonaro já havia avisado que sempre favoreceria os privilegiados”, diz a sindicalista. Por isso, nesta casa amarela rodeada de frutais e cultivos, a volta de Lula significa um alívio ao bolso e ao espírito.
Bolsonaro manteve outro programa vital, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que compra produtos agrícolas para os refeitórios da rede pública, embora tenha reduzido drasticamente o orçamento. Segundo a Prefeitura de Rio Formoso isso significou menos gramas de arroz e carne no prato de cada estudante, fruta uma vez por semana, e a nutricionista municipal teve que fazer milagres com menos dinheiro e com as ordens da prefeita: nenhum ultra processado, nem bolachas, nem suco industrializado, cheio de açúcar, nas escolas. A boa alimentação escolar supre as carências de casa e combate à evasão escolar porque diminui a necessidade de as crianças terem que trabalhar para complementar a renda familiar.
Na escola quilombola, onde estudam os tataranetos de pessoas escravizadas dos engenhos de açúcar do século XVII, as crianças fazem fila para pegar seu prato. Entre risos, almoçam frango caipira com mandioca, purê e alguns mexilhões do manguezal com molho de coco e bebem suco de goiaba natural. Produtos cultivados no município por agricultores e agricultoras como Sandra Dos Reis.
Os brasileiros que estão deixando a pobreza para trás estão muito conscientes de seus direitos. E ecoam frequentemente o discurso de que os pobres também merecem prosperar, viver melhor, poder se dar a algum luxo. Um discurso que Lula e as igrejas evangélicas compartilham, embora divirjam no caminho para alcançá-lo. A agricultora Sandra Dos Reis deixou de receber Bolsa Família há cinco anos e conseguiu que o mais velho de seus dois filhos fosse para a universidade, onde estuda Tecnologia. “As pessoas têm essa percepção de que o agricultor deve viver com o básico, apenas subsistir, mas não; queremos qualidade de vida, boa alimentação, bem-estar, uma casa digna”, enumera a sindicalista. Os olhos de sua mãe brilham quando lhe perguntam sobre como sua vida mudou. Ela comprou um carro, embora não dirija, mas a levam. “Agora, quando quero viajar ou ajudar um filho, tenho meu dinheirinho, economizo… Faço pilates e musculação, para a saúde”, conta satisfeita.
Reportagem: Naiara Galarraga Gortázar, EL PAÍS
Tradução: Shaynna Pidori
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