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"Meu sonho é o retorno das pessoas à roça", diz agricultor

O sistema agroflorestal do casal Luiz Damião e Josiane é um oásis em meio a monocultura da cana-de-açúcar


Num pedaço de terra de 2 hectares, o casal Luiz Damião Barbosa e Josiane Gomes Barbosa desenvolve um sistema agroflorestal (SAF) que hoje abriga mais de 25 variedades de plantas entre adubadeiras, frutíferas, medicinais e sombreiros. Quem passa pela estrada que dá acesso à propriedade, na comunidade Marrecos, no município de Lagoa de Itaenga, Mata Norte de Pernambuco, nem imagina encontrar tamanha riqueza. A região é quase em sua totalidade um grande monocultivo de cana-de-açúcar pertencente a Usina Petribu, fundada em 1910.

“Não adianta produzir em alta escala a questão da hortaliça porque você não vai ter água suficiente para produzir. Aí o sistema hoje é produzir através do sistema agroecológico, o SAF, onde estamos imitando a mata num processo da gente ser cada vez mais autossustentável. A própria água da chuva e a cobertura morta sempre mantém esse solo fértil, esse é o processo que tem de ser imitando hoje pelos nossos produtores”, explica Damião enquanto caminha mostrando com orgulho a terra fértil.

O trabalho com agroecologia começou em 2000 quando ele participou de um curso pelo Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta). A partir dessa formação, Damião convenceu o pai a mudar o tipo de produção. Em seis meses, ele tirou o que a família tirava em um ano com a produção e venda da cana. Com isso, Damião ganhou a confiança dos vizinhos e passou a inspirar outras pessoas na comunidade.
“Você não nasce agroecológico. Você não faz um curso e se torna agroecológico. É um processo que você precisa tá constantemente aprendendo, através de intercâmbio, de troca de experiência, de curso online. E eu me sinto muito feliz hoje por ter conseguido incluir outras pessoas nesse processo, e ainda hoje eu trabalho essa inclusão porque se eu ficasse só, eu acho que meu trabalho já teria se perdido. Então, a agroecologia é também compartilhar conhecimento”, ensina.

Com mais de 20 anos desenvolvendo esse sistema, a família consegue produzir quase tudo que necessita para se alimentar e ainda comercializa em quatro feiras na Região Metropolitana do Recife (RMR).

“Antes a nossa alimentação era muito diferente. Tudo vinha da cidade. Hoje, quase 70% vem da nossa própria roça. Só compramos o que não produzimos aqui”, conta Josiane.

A produção do casal é tão grande que, muitas vezes, acabava sendo desperdiçada ou ia para os animais. Com o apoio da Universidade Federal de Pernambuco, através do departamento de economia doméstica, eles despertaram para a necessidade de reaproveitar os alimentos, transformando-os em novos produtos com os mesmos valores de sustentabilidade ambiental. O mamão se transformou em doce, a banana em pães, doces e nego bom. As pimentas passaram a ser oferecidas em conserva e, partir daí, a família passou a agregar valor à produção e aumentar a renda.

O casal hoje investe mais nos produtos beneficiados do que in natura. Quem é responsável pela produção dos doces, balas e compotas é Josiane e as filhas do casal Juliana e Maria Clara. “Eu aprendi a reaproveitar tudo que tinha no roçado, através das formações junto com as meninas da universidade e também com o Centro Nordestino. Eu aprendi a fazer as conservas, o nego bom, pão, recheio com o reaproveitamento das folhas. Tudo que a gente tem não se perde, se transforma alimento saudável. Eu sou muita grata”, explica Josiane, que hoje repassa o conhecimento para outras mulheres da região.

A família também participa da Associação de Produtores Agroecológicos e Moradores das Comunidades Imbé, Marrecos e Sítios Vizinhos (ASSIM), fundada em 1998, com o apoio de diversos parceiros. Atualmente, 40 famílias participam da associação. Mas o trabalho com agroecologia vem se expandido para outras comunidades, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Lagoa de Itaenga, do qual Damião é presidente.

A partir da associação, as famílias conquistaram muitas coisas, entre elas o telecentro comunitário, cisternas, cozinha comunitária, utensílios industrias, biodigestor, além de processos formativos e articulação com movimentos sociais. E o mais importante foi o reconhecimento da sociedade que tem ajudado essas famílias a permaneceram na terra e resistirem à dominação do agronegócio na região.

“Meu sonho é o retorno à roça de muitas pessoas que abandonaram a roça porque acharam que nela não tinha possibilidade de sobrevivência. E pela minha experiência, desde 2000, eu digo que há possibilidade sim de você tá convivendo na roça, porém precisa de mais pessoas envolvidas nesse processo, mais pessoas que se disponibilizem a repassar conhecimento e que tenham oportunidade de formação”, relata.


O PERIGO DA CONTAMINAÇÃO 

Rodeados de grandes plantações de cana-de-açúcar, as famílias convivem de perto com o perigo da contaminação, principalmente quando a usina aplicada veneno por pulverização aérea, geralmente nos meses de julho e agosto. Para se precaver, os agricultores comunicam ao Ministério da Agricultura que, nesse período, os seus sistemas produtivos estão ameaçados.

Apesar do risco, Damião diz que até hoje nenhum alimento produzido pelas famílias da Associação foi contaminado de acordo com os estudos feitos pela Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro). A entidade, periodicamente, coleta amostras dos produtos nas feiras e realiza testes de contaminação.

A Fetape também tem acompanhando essa situação e tem construído junto ao Fórum Estadual de Combate aos Agrotóxicos e Transgênicos (FECIAT) e ao gabinete do deputado estadual Doriel Barros, a inclusão de um artigo na Constituição de Pernambuco que proíba a pulverização aérea em todo território do estado. Outras ações que vêm sendo feitas são as denúncias junto ao Ministério Público e os processos formativos nos sindicatos e nos 10 polos de atuação da Federação sobre agroecologia e combate aos agrotóxicos.

De acordo com a diretora de Meio Ambiente da Fetape, Rosenice Josefa, a Nalva, a Fetape vem atuando, principalmente através das diretorias de Meio Ambiente, Agrícola e Agrária, em várias frentes para combater o uso de venenos.

“Concretamente estamos debatendo com os agricultores e as agricultoras no sertão, agreste e mata a importância da agroecologia para superar o modelo convencional que tem como bases a exploração da mão-de-obra de trabalhadores e trabalhadoras, o monocultivo e o uso de agrotóxicos. Considerando esse cenário, precisamos continuar pautando a implementação de políticas públicas que possibilitem a assistência técnica, o crédito, a produção diversificada e infraestrutura para comercialização dos produtos”, diz Nalva.

A Fetape também está inserida na Comissão de Produção Orgânica de Pernambuco e na Comissão Estadual para o Desenvolvimento do Plano de Agroecologia e Produção Orgânica do Estado de Pernambuco, que são espaços de controle social e elaboração de políticas públicas para a agricultura familiar.

“A Fetape compreende que a produção de base agroecológica é fundamental para que a população do campo e da cidade tenha saúde e qualidade de vida”, conclui Nalva. 

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