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Notícias
População rural na mira da Reforma da Previdência
Entenda porque o impacto na vida do povo rural é tão devastador
A população rural está na mira do governo Bolsonaro. A intenção do presidente e equipe, manifestada não só na proposta de reforma da previdência (PEC 06/2019), mas também na Medida Provisória 871, publicada no Diário Oficial em 18 de janeiro passado, é dificultar ao máximo o acesso desta população à aposentadoria e aos demais benefícios da assistência social, como a pensão por morte e o auxílio maternidade. Inclusive, cortar o acesso a eles em caso de suspeita de irregularidades. Ou seja, até quem já está na condição de direito adquirido está sob ameaça.
Conjugadas, a MP 871 e a PEC 06/2019 provocam um efeito avassalador na vida das famílias e na economia dos municípios que vivem da agricultura. Com uma população rural cada vez mais envelhecida, devido inclusive às migrações da juventude para os centros urbanos por falta de oportunidade de geração de renda no campo, a aposentadoria, em especial dos agricultores e agricultoras, têm tem um grande peso no volume de recursos injetados nos municípios.
No estudo “A Importância dos Benefícios Previdenciários Rurais para a Economia dos Municípios do Nordeste”, a Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras de Pernambuco (Fetape) compara a injeção de volume de recursos da Previdência e Assistência Social aos municípios com os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios repassados para os respectivos poderes executivos pela União. Nestes dois casos, o valor do conjunto das aposentadorias supera os repasses. O valor é tão expressivo para a economia das cidades de pequeno e médio porte, que vai além da receita líquida de 1/3 dos municípios brasileiros, segundo dados divulgados na revista Carta Capital, citados na análise da Fetape.
O artigo publicado em março de 2017 e assinado por Álvaro Sólon França, ex-secretário executivo do Ministério da Previdência, afirma que “a Previdência Social é responsável pelo sustento de milhões de famílias brasileiras – sobretudo nas pequenas cidades e nas áreas rurais. Ou seja, mesmo não sendo considerado um programa de ‘combate à pobreza’, os recursos da Previdência têm cumprido um papel importante na composição da renda familiar. [...] Ousamos afirmar que se não fossem os benefícios pagos mensalmente a aposentados e a pensionistas, principalmente no meio rural dos pequenos municípios, já teria se instalado situação de calamidade na maioria das cidades brasileiras”.
A Fetape afirma neste estudo que “os benefícios previdenciários rurais assumem o papel de uma espécie de programa de renda familiar mínima, ante a reiterada instabilidade dos mercados e a precariedade das políticas de apoio às atividades agrícolas”.
Perversidade sem fim - Adelson Freitas Araújo, vice-presidente da Fetape, explica que a principal mudança que a PEC quer instituir na aposentadoria rural é retirar os agricultores e agricultoras da condição de segurado especial e torná-lo contribuinte, quando em geral a renda financeira que acessam é muito pouca e irregular.
“Hoje, não há contribuição de trabalhador considerado segurado especial. Só precisa comprovar o tempo de atividade na agricultura e isso é feito através da representação sindical, que a medida provisória quer evitar. A PEC quer que deixem de ser segurados especiais para ser contribuinte de R$ 600, no mínimo, para o grupo familiar”, explica o representante da Fetape.
Com relação ao percentual de contribuição previsto na legislação para o agricultor segurado especial, Adelson conta que é de 2,1% da produção comercializada. “Ela é prevista, mas não é efetivada porque não foram criados o mecanismo e a regulamentação para isso. Há uma abertura da representação dos agricultores que isso poderia ser possível.”
Pela MP 871, ainda existe no cenário a ameaça de revisão dos benefícios com incentivos para os servidoress da previdência que chegarem a cancelar benefícios. E, como se não bastasse, o prazo para o segurado fazer a sua defesa é de apenas 10 dias, totalmente surreal para a realidade do campo. “Quando coloca indícios de irregularidades, é muito relativo porque não quer dizer que está irregular. Tem um valor que o ministro da economia afirma que, com esta medida, pretende economizar que é de R$ 9 bilhões, mais ou menos extinguir 30% dos benefícios existentes com este pretexto de revisão de indício de irregularidade”, destaca Adelson.
Excludente e machista – “Essa proposta da reforma é uma proposta injusta, machista e excludente porque não valoriza o trabalho das mulheres rurais que têm uma tripla jornada”, denuncia com voz firme Maria José (Mazé) Morais, secretária nacional de mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Umas das medidas mais polêmicas desta proposta é o aumento em mais cinco anos para a mulher se aposentar, equiparando a idade mínima com a de 60 anos exigida para os homens nas atuais regras da previdência.
A semana da mulher no Brasil tem 7,5 mais horas de trabalho do que a dos homens, segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA). Sem levar em consideração a diferença entre a realidade do campo e da cidade. “Para nós é muito caro essa questão de equiparar a idade dos homens e das mulheres. Isso dá um impacto muito forte na vida das companheiras”, dispara Mazé.
“Nós não aceitamos a retirada dos direitos desta política – a previdência – que para nós é o único mecanismo que reconhece a desigualdade na divisão sexual do trabalho”, assegura ela dias antes do 8 de março, quando mulheres do campo e da cidade foram às ruas em todo o Brasil em defesa do modelo público da previdência, entre outras bandeiras de luta. “É um movimento muito forte, as mulheres estão firmes na luta, na resistência”, reconhece ela que vê as mobilizações passadas com um esquente político para a tomada de Brasília por milhares de Margaridas de todo o Brasil rural em agosto que vem, quando acontece a sexta edição do maior ato político de rua no país.
A realidade de quem vive no mundo rural - A agricultora e chefe de família Naílza Paiva de Souza do município de Gentio do Ouro, na região de Irecê, na Bahia, considera uma injustiça com os agricultores e com todos os brasileiros esta proposta encaminhada por Bolsonaro e equipe para o Congresso Federal. “Deviam mudar as regras dentro do Planalto, dentro do poder, e não nos colocar submissos à escravidão. Porque ninguém vai conseguir se aposentar ainda mais do jeito que está a natureza, o sol. A gente fica se queimando, ficando velha mais rápido por conta do sol e do sofrimento que a gente tem”, se indigna, comentando que onde vive o “índice de pessoas, principalmente, mulheres com câncer de mama e de ovário é muito grande. E [mulheres] jovens! E por quê? Porque não têm oportunidade de, se quer, ter bons médicos”.
Com uma população de cerca de 460 mil habitantes, a região de Irecê é uma das mais afetadas pela incidência de câncer na Bahia com 1,8 mil casos da doença, o que equivale a 0,39% da população. No território, há cultivos de frutas e verduras a base de bastante agrotóxicos.
Nailza também conta que nunca acessou a licença maternidade, um dos benefícios da assistência social que Bolsonaro quer mexer, através da MP 871, para reduzir de cinco anos para 180 dias o tempo disponível para as mulheres acessarem. “Nem eu, nem minhas filhas, minhas sete irmãs e minha mãe conseguimos o auxílio maternidade”, conta Nailza. Se com 5 anos de disponibilidade para ser requerido, nenhuma das 11 mulheres de três gerações o acessaram, imagina com o prazo reduzido para 180 dias.
Ainda tem mais? Mais duas outras medidas previstas na PEC 06/2019 pegam em cheio os trabalhadores e trabalhadoras rurais: a alteração para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada, que destinava uma renda básica no valor de um salário-mínimo pago às pessoas de 65 anos ou mais. Essa perda atinge principalmente as mulheres, que não têm condições de trabalhar e têm apenas uma renda familiar de ¼ do salário mínimo. A proposta atual do governo é que, a partir de 60 anos, tenha-se direito a este benefício, só que no valor reduzido para apenas R$ 400. Somente a partir de 70 anos o salário passa a ser de um salário mínimo. “Trata-se de um ataque gravíssimo a um direito garantido pela Constituição”, pontua Mazé.
Já no caso das pensões por morte, na proposta do governo, a viúva ou o órfão não terá mais o direito a receber 100% do valor da aposentadoria que o falecido recebia. O valor da pensão será no valor de 50% do salário recebido antes, aumentando 10% para cada dependente até o limite de 100%. Se tiver 6 ou 7 filhos, por exemplo, só teria direito a aumentar pelo limite de cinco filhos.
Mais duas bombas – Uma delas diz respeito à forma de acesso à aposentadoria e aos benefícios de assistência social. A MP transfere a responsabilidade da declaração de exercício da agricultura por 15 anos pras entidades públicas – Ematers e prefeituras. “A gente sabe que nem todos os municípios têm as Ematers. E, por outro lado, os municípios que têm talvez não tenham estrutura suficiente para atender as demandas. E pras as prefeituras isso também cabe. Será que os prefeitos e as prefeitas vão dar conta de atender e de fazer este trabalho?”, questiona Mazé.
Ainda tem outro detalhe que faz toda a diferença. Os prazos estabelecidos para inscrever os segurados especiais no Cadastro Nacional dos Segurados da Previdência Rural, vinculado ao Ministério da Economia: até 1º de janeiro de 2020. “Esse prazo inviabiliza também porque em 10 anos não se evoluiu mais de 10% dos segurados especiais. Como é que em 1 ano, ele quer cadastrar todos os segurados especiais?”, questiona Adelson.
Para coroar... um super perigo! – A PEC traz entre suas cláusulas a intenção de tornar possível alterar a lei da previdência através de leis complementares que, para serem aprovadas, precisam apenas do ‘sim’ de metade mais um dos deputados e senadores. Isso acaba flexibilizando o rigor na tramitação no Congresso Federal se comparado às PECs, que hoje precisam de 3/5 dos votos da Câmara e do Senado, em duas votações em cada Casa.
A resistência - Em Pernambuco, audiências públicas regionais estão sendo agendadas para chamar atenção de deputados estaduais, federais, prefeitos, vereadores, senadores e a sociedade em geral. As organizações da sociedade civil envolvida na articulação das audiências públicas, entre elas a Fetape, esperam mobilizar mais de duas mil pessoas em três regiões do estado: Sertão, Agreste e Zona da Mata.
A jovem Jaqueline da Silva, de 21 anos, veio do município de Belo Jardim acompanhando a mãe. Filha de agricultores, a estudante do curso técnico de Informática chegou com dúvidas a respeito do seu futuro. O medo de não poder se aposentar é uma preocupação da agricultora. “Eu quero entender essa luta da gente porque também sou agricultora. Temos que lutar por tudo que nos pertence”, afirma Jaqueline.
Amanhã (22) será o Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência. Estão previstos atos em mais de 100 cidades do país com o objetivo de pressionar o governo para paralisação da proposta.
Por: Verônica Pragana (Assessoria de Comunicação da ASA)