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Epidemia da Covid-19 amplia violência contra as pessoas idosas

Uma das maiores conquistas da Constituição de 1988 foi garantir que diversos direitos fossem reconhecidos como de responsabilidade pelo Estado. No seu artigo 196, a saúde é reconhecida como direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que busquem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Dois anos depois, em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) é instituído enquanto uma política pública que tem como princípios a igualdade, a universalidade e a equidade. Em outras palavras, um sistema público voltado para todas as pessoas, independente de raça, gênero, idade, orientação sexual e religião. O SUS garante não apenas o atendimento na rede pública, como também vacinas, socorro em caso de acidentes (SAMU), cobertura de transplantes. E não fica apenas por aí, além da prevenção e tratamento para doenças, também cuida da água ao detergente e produtos de higiene e limpeza que usamos, fiscaliza os restaurantes e lanchonetes onde nos alimentamos dentre muitas outras coisas.

Mesmo que sendo constantemente subfinanciado, o SUS está sendo a salvação para a maioria das pessoas no atual momento da pandemia da Covid-19, especialmente para a classe trabalhadora que não tem plano privado, como os trabalhadores rurais. Os números de contaminação e óbito são elevados, mas certamente seriam maiores se o país não tivesse um sistema público para atender a todas as pessoas. Para as/os trabalhadoras/es rurais, em especial as agricultoras e agricultores familiares, a situação ficaria ainda pior.

Segundo o Ministério da Saúde, 75,3% das/os idosas/os brasileiras/os dependem exclusivamente do SUS e aproximadamente 70% possuem alguma doença crônica. E é justamente por conta da existência dessas doenças (diabetes, hipertensão, asma, Alzheimer, Mal de Parkinson, colesterol alto, câncer entre outras) que a mortalidade do vírus é maior nas as/os idosas/os. Aqui em Pernambuco, dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) informam que até ontem (15), 15,50% das contaminações são de pessoas com idade igual ou acima dos 60 anos. No entanto, 73,69% das mortes provocadas pelo coronavírus são de pessoas desta mesma faixa etária, ou seja, são as/os idosas/os quem mais morre no estado.

Ainda que a doença tenha chegado no Brasil tardiamente, os governos, principalmente o federal, não construíram programas coerentes e medidas que protegessem efetivamente o conjunto da população, especialmente a idosa. Para o Diretor de Política da Terceira Idade Idosos e Idosas Rurais da Fetape, Israel Crispim, além do subfinanciamento do SUS a situação dos idosos é agravada pela Medida Provisória Nº 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos para a saúde e a educação. “Nós já estamos vendo os efeitos dessa medida agora na pandemia com as dificuldades de atenção à saúde dos idosas e idosos de forma concreta. Quer maior violência do que negar o atendimento à saúde e garantir a vida dessas pessoas? Hoje, o maior violador é o Estado, especialmente o (des)governo federal que quer ver a morte dos idosos trabalhadores. Ele é um gerontocida! ”, desabafa.

Crispim alerta para duas outras questões, uma que diz respeito às recomendações dos governos sobre os fluxos e protocolos de atendimento à saúde para as pessoas do campo. Ele vê com preocupação que a orientação dada seja a mesma para as pessoas de áreas urbanas sem a observância das especificidades e características sociais, culturais e econômicas de cada território, o que também se caracteriza como uma violência. “No campo, nosso povo mora em lugares distantes das unidades de saúde e até em áreas isoladas, sem contar que muitos não são atendidos adequadamente pela rede. Então, como procurar atendimento apenas quando estiver com falta de ar? ”, questiona.

Outra preocupação do diretor é quanto a garantia do acesso a internação e tratamento adequado em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No Brasil, o SUS possui 45% dos leitos enquanto 55% atendem 25% de quem pode pagar planos de saúde. Ainda segundo a SES, Pernambuco possui 1.609 leitos, sendo 721 de UTI, destes 94% estão ocupados. Com essa pandemia, países como a Itália e a Espanha criaram protocolos que orientaram os médicos e enfermeiros a escolherem quem receberiam o tratamento adequado, em ambos, as pessoas idosas não ocuparam a prioridade do atendimento. E esse é outro receio de Crispim, de que o país faça escolhas por critérios que neguem o atendimento às pessoas velhas. “Estamos apoiando manifestos e campanhas pela criação de lista única de atendimento, junto às campanhas Vidas Iguais e Leitos Para Todos, elaborando documentos e pressionando o Estado para promover ações mais adequadas para o nosso povo do campo.”

Diante da grave situação que colocou Pernambuco entre os estados de alto grau de contaminação e mortes, a diretoria responsável pelas políticas para as pessoas idosas da Fetape participa de um grupo de trabalho com a gerontóloga Dra. Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva, representante do Núcleo de Articulação e Atenção Integral à Saúde e Cidadania do Idoso do Hospital Oswaldo Cruz (NAISCI/HUOC/UPE), que propôs entre outras ações a produção de um programa de rádio e peças de comunicação a partir da participação de profissionais da área da saúde para orientação sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como o uso da máscara, etiqueta sanitária e principalmente o isolamento social, únicas formas reais de prevenção da doença.

Nesse dia 15 de junho, Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa para que possamos pensar sobre as violações sofridas pelas velhas e velhos, a Fetape faz o convite para que todas/os nós pensemos sobre que mundo construímos e estamos construindo para nossas elas/es. É tempo de erguer pontes e diminuir as violências, quer seja pela linguagem, quer pelos nossos atos. E que, ao escolhermos os nossos representantes, nas próximas eleições, observemos qual o lugar das pessoas idosas nas suas plataformas de governo.


*A data foi declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa. Desde 2006, o dia é reafirmado com realização de campanhas por todo o mundo.

Fonte: Rosely Arantes Assessora da Diretoria de Política da Terceira Idade Idosos e Idosas Rurais da Fetape Mestranda em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz

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