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Artigos

Pessoa idosa e os desafios para o movimento sindical rural em tempos de desgoverno

“Somos velhos não por causa do tempo que passa, mas porque dentro de nós moram eternidades”, Rubem Alves em “As cores do crepúsculo”

Discutir envelhecimento humano não compõe o elenco de assuntos mais relevantes na sociedade, seja no bate papo em família, entre amigos, nos partidos, sindicatos e demais organizações sociais. Aliás, quando esse assunto ganha relevância, chega como um incômodo na maioria das vezes, e na cobrança da responsabilização pelo cuidado da pessoa que envelhece.

“Quem da família vai ficar com essa responsabilidade de cuidar dela/dele?”, “reconheço que ela/ele teve papel importante na vida de nossa organização, mas a vida segue, não podemos deixar ela/ele atrapalhando nossas atividades, querendo contar seu passado”. E no Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) não é diferente.

A trajetória deste movimento sempre foi marcada por lutas e conquistas em defesa do acesso à terra, água e aos demais direitos, frequentemente relegados aos povos do campo. Ainda que sempre tenha sido um caminho permeado por pessoas idosas, a discussão sobre o tema do envelhecimento é algo em construção.

Em que pese essa constatação, o MSTTR dentre as diversas organizações sindicais brasileiras, é uma das referências no debate e aprofundamento da compreensão sobre envelhecimento. Inclusive garantindo secretarias e assessorias específicas para levar esse debate às bases.

Foram passos firmes para trazer esse tema para o centro do debate. “Quantas vezes tivemos que convencer o companheiro ao lado, a companheira que achava ser o tema periférico com nossa grande agenda onde precisamos afirmar a agricultura familiar ou da luta pela terra”, afirma o Diretor de Políticas da Terceira Idade Idosos e Idosas Rurais da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape).

Já estamos preparando a 3ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Terceira Idade, Idosas e Idosos, a ser realizada em 2020. Aprovamos como critério de participação dos Sindicatos e Federações, no próximo congresso da Contag, a existência e funcionamento das secretarias específicas da Terceira Idade.

As Federações do Nordeste, a começar por Pernambuco, seguidas da Bahia e mais recentemente do Piauí, vêm realizando formações políticas voltadas para esse segmento, tendo como foco o tema do envelhecimento. Essas formações também estão sendo conversadas para a elaboração do primeiro curso nacional junto à Escola Nacional de Formação da Contag (Enfoc), para 2020. Também em Pernambuco foi desenvolvida a primeira campanha de valorização da pessoa idosa, O tempo nos fortalece! A Diretoria de Políticas da Terceira Idade Idoso e Idosas Rurais da Fetape, está aplicando um projeto piloto de identificação de quem são as pessoas idosas, como vivem, o que desejam e esperam da vida e do movimento onde estão inseridas por meio da Pesquisa da Pessoa Idosa do Campo, no município de Casinhas, Agreste Setentrional.

Entretanto, mesmo com essa trajetória firme e propositiva onde as pessoas idosas e suas representações têm conquistado junto ao MSTTR, ainda há muito para se fazer. Precisamos discutir envelhecimento junto às mulheres velhas e aos homens velhos do MSTTR. Isto solicita discutir dimensões para além do nível de atividade e autonomia com que essas pessoas chegam após os 60 anos. Discutir a partir da perspectiva das necessidades e sonhos dessas pessoas e não do que achamos que elas precisam ou desejam.

Trabalho e envelhecimento
Enquanto movimento sindical, concordamos e trazemos para a prosa a afirmativa da Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Eneida Haddad, autora entre outras publicações, de A Ideologia da velhice e O direito à velhice: os aposentados e a previdência social, “o lugar ocupado pelo trabalho durante a vida produtiva é decisivo na qualidade do fim da vida na velhice”.

Refletir que a condição de vida, especialmente no recorte ocasionado pelo trabalho, ditará como essas pessoas envelhecerão. Idem para o acesso à escolaridade. É fato que esse público sempre afirma que mesmo aposentadas/os continua produzindo e se soma na luta por direitos nas marchas, greves, mobilizações, assembleias e cursos convocados pelo MSTTR.

Estamos vivendo tempos difíceis. Esse governo vem desconstruindo nosso país, vem retirando nossas conquistas. Querem reescrever a história de nosso país e negar nossa participação. O momento requer muito de toda a sociedade, é verdade, mais requer ainda mais das pessoas idosas. Acreditamos que a sabedoria adquirida pela vivência e pela longevidade, nos fará enfrentar mais uma vez os inimigos do povo.

Esse governo autoritário e antipovo, fez mais uma maldade contra as pessoas idosas. Acabou com a representação popular no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), com a Portaria Nº 2.507, de 12 de setembro de 2019, aliás, acabou com as finalidades que justificavam sua existência.
Além de enfrentar as ações de enfraquecimento dos espaços de poder, as violações às pessoas idosas têm aumentado com esse desgoverno. Em junho desse ano, dados do Disque 100, serviço de registro de violações, apontou um aumento de 13% no número de denúncias sobre violência contra idosos, em relação ao ano anterior. Na maioria dos casos as agressões foram cometidas nas residências das vítimas (85,6%), por filhos (52,9%) e netos (7,8%). As mulheres foram vítimas em 62,6% dos casos.

Do conjunto das violações, 19,9% diz respeito à violência patrimonial, aquela que é cometida quando o idoso tem seu salário retido ou seus bens destruídos. Aqui os empréstimos consignados são os grandes vilões e motivo de muitas queixas por parte das/os nossas/os associadas/os. Nesse horizonte a Fetape definiu por uma campanha de orientação aos sindicatos e associadas/os sobre o tema.  

Hoje, o primeiro dia do mês de outubro é dedicado às pessoas idosas. A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 14 de dezembro de 1990, mas só foi adotada no Brasil 16 anos após com a Lei 11.433/2006.

Um dia de estímulo para refletirmos a respeito do envelhecer e todos os seus efeitos. E uma das nossas responsabilidades, enquanto Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, é dar mais vida às pessoas que construíram a história do sindicalismo rural em Pernambuco.
Nessa data convidamos cada liderança, educador/a, associada e associado jovem, adulto ou idoso do MSTTR e a todas as/os leitores a repensar e direcionar as práticas sindicais e cotidianas na perspectiva da autonomia, do reconhecimento e do respeito às pessoas idosas.

Aproveitar a data para servir de estímulos e dar respostas à altura para esse governo medíocre e contrário aos interesses da maioria do povo brasileiro. Um caminho é tomarmos como exemplo o que ocorre em algumas comunidades africanas, onde as pessoas mais velhas são chamadas de griot. Elas são reverenciadas respeitosamente porque por meio delas que a cultura daquele povo se mantinha viva. Cabe nesse momento às pessoas idosas contarem, recontarem e contarem novamente, quantas vezes seja possível para os adultos, adolescentes e os menores, os avanços conquistados pelo povo na história recente do nosso país.

A nós, do Movimento Sindical Rural cabe dar vez e voz às pessoas idosas do campo e positivarmos ações voltadas para a garantia dos direitos e a felicidade destas.

Rosely Arantes – jornalista, comunicadora e educadora popular, Especialista em Gestão Estratégica Pública para Governantes (Unicamp); Especialista em Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho (Fiocruz), assessora da Diretoria de Políticas da Terceira Idade Idosos e Idosas Rurais da Fetape

Amarildo Carvalho de Souza – historiador, educador popular, Especialista em Culturas Negras no Atlântico: História da África e Afro-brasileira pela Universidade de Brasília (UNB); Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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