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Envelhecimento e o mundo rural pernambucano: um novo olhar
Hoje, no Brasil, comemora-se o Dia do Idoso. Essa data faz referência a aprovação da Lei nº 10.741/2003, que tornou vigente o Estatuto do Idoso, instrumento que adensa a aparato legal de proteção às pessoas idosas. Hoje, a Diretoria de Políticas para a Terceira Idade da Federação de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Pernambuco - Fetape, convida, cada um de nós, que militamos no campo dos direitos humanos, a refletir onde mesmo este instrumento se aplica na concretização dos direitos para as/os nossas/os velhas/os do campo.
Os relatos que temos denunciam: a) a negativa de observação ao transporte gratuito; b) os constantes e intermitentes abusos promovidos pelos bancos e agências financeiras, que impõem produtos bancários sem autorização e sem esclarecimento para o/a contratante idoso/a; c) a fragilidade do acesso à saúde pública, especialmente quando se trata dos Programas Saúde da Família e o Brasil Sorridente; d) a inexistência das Instituições de Longa Permanência para Idosos rurais (ILPI); e) a permanência do analfabetismo entre as/os idosas/os; f) a ausência de estruturas e espaços de lazer; g) o aumento da violência (latrocínio, homicídio, estupro) contra idosas/os no meio rural; h) o abandono dessas pessoas; e i) a falta de notificação dos agravos relacionados a toda e qualquer violação de direitos neste meio, que impede pensar políticas realmente condizentes com as necessidades dessas pessoas.
Frente a essa conjuntura, que só piora após o golpe do atual (des)governo, o maior desafio para o conjunto do MSTTR é olhar as pessoas idosas do campo como sujeitos políticos, que continuam a somar na construção de um outro país. Não apenas porque financia, mas principalmente porque é detentor dos saberes, da construção e da caminhada de luta, que hoje continua a somar na garantia da vida e do alimento a toda a população.
Ao olhar para dentro do Movimento, as pessoas idosas do campo, juntamente com a respectiva Diretoria e um grupo de educadoras/es populares da Escola Nacional de Formação da Contag – Enfoc, que vem estudando o tema, reconhece os avanços internos. No entanto, ainda precisamos avançar. Não adianta apenas ter assento nos cursos formativos da Enfoc ou ter garantido, no 11º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CNTTR), a criação de Secretarias de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Terceira Idade nas Federações e nos respectivos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs).
Carece, além de garantir a existência e o funcionamento dessas instâncias, aprofundar, conhecer e reconhecer quem são as pessoas idosas do campo pernambucano. Onde está registrada a sua história, a memória dessa luta, qual o local de exercício de poder, quem são essas mulheres e homens que hoje são as velhas e velhos do MSTTR? Como vivem e como enxergam o mundo, a sociedade e o próprio movimento que permeou suas vidas?
A formação política foi o caminho adotado pela Diretoria como estratégia de fortalecimento do conjunto do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR). Buscar enxergar as pessoas idosas do campo enquanto sujeitos políticos unos, mas, também, coletivos, que continuam a fazer o enfrentamento para efetivação dos direitos e as garantias sociais. Só que, olhando para si dessa vez, e tem sido um diferencial e um desafio.
Formação política - Para o Diretor de Política para a Terceira Idade da Fetape, Israel Crispim, a criação da Secretaria de Terceira Idade e a liberdade para trilhar o caminho tomado possibilitou uma maior aproximação com a base e o fortalecimento do sindicalismo rural no estado. “A formação política é a maior novidade para o conjunto do MSTTR. O curso de formação política, que iniciamos em Pernambuco, e hoje é uma política em plena execução e espelho para o Brasil, agora garantido nos anais do 12ºCNTTR, é uma confirmação de que estamos no caminho certo. Hoje, os STTRs respeitam mais os idosos, reconhecendo-os como seres autônomos, ativos e produtivos, inclusive não os tratando mais como ‘coitadinhos”.
Alda Motta de Britto, em seu artigo Envelhecimento e sentimento do corpo, explica que da mesma forma como sempre as mulheres foram ligadas à ‘natureza’, numa forma de dominação e controle bioideológico, assim ainda é feito com as pessoas velhas. Mas de maneira diferente e pior porque coloca as/os idosas/os numa dimensão não produtiva e terminal, comparando-as/os a “resíduos da natureza, objetos de necessário descarte. Não se reproduzem mais, não produzem trabalho e bens materiais (ou não se permite que produzam, segundo os cânones do capitalismo). Portanto, ‘não pertencem’ a ela”.
A percepção que confirma esta fala tem nos motivado a desenvolver ações que tanto diminuam a lacuna de informações, como também desconstrua dentro das pessoas idosas e, por conseguinte, dentro do MSTTR essa lógica. Afinal, quem não morre jovem, envelhece. Quem envelhece tem histórias para contar. Envelhecer, em nossa compreensão, é mais uma fase ou etapa da vida que merece ser vivida com dignidade, prazer e felicidade. E isso carece de saber o que se passa com seu corpo e sentimentos, seus prazeres, seus gostos e como cuidar bem para promover que esse envelhecer aconteça da forma saudável e ativa, com menos danos. Por isso insistimos na defesa da discussão do envelhecimento humano no campo.
Conhecer as pessoas idosas do campo pernambucano num diálogo horizontal e construir a política a partir dos olhares, escutas, vivências acumuladas e do fazer junto. É esse o caminho escolhido e do qual acreditamos ser possível construir propostas de políticas públicas, sociais e internas que dialogue com a realidade das nossas idosas e idosos do campo.
O convite feito por Simone de Beauvoir, em 1908, em seu livro A Velhice, primeiro escrito sobre o tema no mundo, ao observar a sociedade ainda está de pé e nos provoca a refletir e nos desafia na promoção de ações concretas que positive o direito à vida com dignidade àquelas pessoas que produzem outros sentidos e saberes. Cabe a nós a humildade de ouvir, olhar, entender e reverenciar os saberes dessas/es ancestrais.Do contrário estaremos apenas aumentados o número de algozes desses seres, nada frágeis:
“Exigir que os homens permaneçam homens em sua idade mais avançada implicaria uma transformação radical. Impossível obter resultado através de algumas reformas limitadas que deixariam o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, é a atomização da sociedade, é a miséria de uma cultura reservada a um madarinato que conduzem a essas velhices desumanizadas. Elas mostram que é preciso retomar tudo, desde o início. É por isso que a questão passa tão cuidadosamente em silêncio; é por isso que urge quebrar esse silêncio: peço aos meus leitores que me ajudem a fazê-lo”, solicita. (BEAUVOIR, 1970. p.14).
À todas as velhas e velhos do campo e da cidade, nossas reverências. Salve!
(FOTO: ARQUIVO FETAPE)
Fonte: Rosely Arantes Assessora da Diretoria de Políticas para a Terceira Idade - Fetape