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É preciso romper com o silêncio

Estamos presenciando, nesses últimos dias, o caso de uma jovem, de dezesseis anos, que foi cruelmente estuprada por mais de trinta homens, em uma comunidade da Zona Oeste do estado do Rio de Janeiro. Esses homens, além da imensurável violência que causaram, ainda foram em busca de plateia para esse filme de terror, divulgando as imagens do crime nas redes sociais, como se um crime fosse digno de aplausos e curtidas.

Essa brutalidade reflete a perversa realidade de tantas e tantas mulheres, de diferentes idades, raças e lugares, que mesmo em suas particularidades possuem aspectos comuns a essa experiência de ‘ser mulher’. Acredito que todas nós, mulheres, temos histórias de abusos e atentados ao nosso corpo. E é por isso que ainda resistimos e reivindicamos liberdade e autonomia para as nossas vidas, pois, queremos o poder de decisão sobre os nossos corpos e liberdade de afetos e de desejos. Queremos poder ir e voltar com a roupa que quisermos, com a saia que quisermos, com a maquiagem que quisermos, sem sermos julgadas como um território possível de violação.

No entanto, ainda pesa sobre nós o fardo do patriarcado, da cultura machista, que tenta nos aprisionar, aniquilar nossa liberdade e nos tornar propriedade e objeto. Uma cultura que legitima desrespeitos e crimes contra nós, por meio das mais variadas justificativas.

São dessas justificativas que surgem dados tão alarmantes como o da investigação divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014), em que 58,5% dos/as entrevistados/as concordaram que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros” e 59% concordaram com a afirmativa de que existe "mulher para casar" e "mulher para a cama".

Esse mesmo Instituto constatou, em 2011, através do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinam), que 70% das vítimas no Brasil são crianças e adolescentes e que 15% dos estupros são cometidos por duas ou mais pessoas. Os números do 9º Anuário Brasileiro da Segurança Pública também nos alertam que, em 2014, o Brasil tinha um caso de estupro notificado a cada 11 minutos. Vale salientar que apenas de 30% a 35% dos casos são registrados, pois muitas mulheres ainda têm dificuldade de romper com o silêncio e denunciar.

É notório o quanto ainda nos deparamos com preconceitos e atrocidades remanescentes de tempos passados, de “tempos das trevas”. E ainda querem nos impor retrocessos. Ainda querem nos impedir de discutir gênero. Ainda querem nos impedir de ir para as ruas e de termos uma representação ativa na política, em cargos de representatividade e nos processos decisórios. 

Diante dessa dura realidade, me pergunto onde é que somos todas/os  iguais e com direitos iguais, se, como mulher, não posso andar sozinha pela rua, porque corro o risco de ser atacada, estuprada e até morta. E ainda há quem diga que somos loucas e “mal-amadas”, porque afirmamos que vivemos numa sociedade machista, onde lutar por direito é ser tachada de “histérica”, onde discutir relações de gênero e feminismo é “falta do que fazer”.

Precisamos (re)agir sempre! Mostrar nosso repúdio e cobrar medidas que deem um basta nas violações sofridas por nós, pois os mecanismos que temos ainda não são o bastante para garantir o enfrentamento da violência, a punição dos agressores, nem tão pouco a prevenção. É preciso considerar que o caso em que começamos relatando aqui, e tantos outros tipos de violência, não é algo isolado, e que vidas de mulheres estão em risco e sendo destruídas, inclusive, neste exato momento em que você lê este texto.

Já é mais do que urgente desconstruirmos o patriarcado que ainda impera nas nossas vidas e nas nossas relações. Uma sociedade justa e igualitária não existirá enquanto nós, mulheres, formos constantemente destituídas da vida por simplesmente ‘sermos mulheres’.

Denunciar, sempre! Temer, jamais!


 

Fonte: Jenusi Marques – Diretora de Política para as Mulheres da Fetape

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