A conquista do envelhecimento digno e o desafio das políticas públicas para a pessoa idosa do campo
A instalação do modelo capitalista provocou profundas mudanças no conjunto da sociedade tanto no momento do seu nascedouro, há mais de três séculos, como nos dias atuais. O modelo fortemente marcado pela industrialização e mecanização não somente estabeleceu uma nova forma de hierarquia social, por meio da criação das classes sociais, como também é deste período que as pessoas idosas, passam a ser excluídas dos processos de produção por conta do “baixo vigor físico” e a impossibilidade para o trabalho pesado. Além destes elementos, as pessoas idosas, antes respeitadas como detentoras de saberes, passaram a ser consideradas “inaptas”, caducas, vistas como estorvo para a família e a sociedade. Neste cenário, as pessoas idosas do campo, em especial, foram e são fortemente vitimizadas pelas anteriores condições de precariedade - ausência de políticas públicas que garantam as infraestruturas adequadas para uma vida digna.
Diferentemente de outras culturas, como a oriental e as africanas, onde as pessoas idosas são reconhecidas, valorizadas pela sua sabedoria, temporalidade, ancestralidade e respeitadas pela escolha de condução de sua própria vida, o modelo capitalista impõe outra lógica de segregação dessas pessoas, associando a velhice a algo sem valor, sem utilidade e que carrega consigo o sentimento de coisas nada agradáveis. Obviamente, que desta forma a construção do imaginário sobre o envelhecimento não seria jamais vista como positivo, perdurando até hoje e esse debate é invisibilizado.
No Brasil, as discussões sobre o envelhecimento são recentes e as poucas políticas públicas que já existem são insipientes. Segundo as projeções das Nações Unidas, entre 2000 e 2050, a população idosa brasileira ampliará a sua importância relativa, passando de 7,8% para 23,6%, enquanto a jovem reduzirá de 28,6% para 17,2%, e a adulta de 66,0% para 64,4%. Para termos uma ideia do que estamos falando, basta dizer que no início do século XX, a expectativa de vida do brasileiro não passava dos 33.5 anos, chegando aos 50 na metade desse mesmo século. Em 2011, o nível de idade chegou a 74,08 anos, sendo que as mulheres estão vivendo sete anos a mais do que os homens.
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 9,4% da população é idosa. Destes, oito a cada 10 pessoas idosas acessam pelo menos um benefício social no âmbito do governo federal, como o programa Bolsa Família, isso sem contar na aposentadoria rural que coloca esses atores novamente no lugar de provedores. Isso significa que os idosos correspondem à parte da população em situação de vulnerabilidade e os números só crescem. Do total da população com ou mais de 65 anos, 10,6% moram em Pernambuco e 19,7% estão na zona rural.
Outra característica do modelo capitalista é nos fazer acreditar que o campo é um espaço feio, sujo e atrasado diferentemente da representação do urbano, sinônimo de progresso e beleza. Isso tem motivado a saída dos jovens e das mulheres para as áreas urbanas, ocasionando, entre outros fatores, a crescente masculinização do envelhecimento no campo, segundo o Informe Brasil para a III Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe. Sobre esse recorte regional é importante também observar que, quando se trata das pessoas do campo, o modelo de des-envolvimento imposto, marcado pela lógica do agronegócio e da monocultura, o tipo de labor provoca um aceleramento das perdas funcionais nas/os trabalhadoras/es.
Neste sentido, a partir da organização dessas/es trabalhadoras/es, por meio dos sindicatos e outras instituições, estas populações vêm num assertivo movimento de defesa de um modo de viver e de produzir diferente da imposta pelo capitalismo. Logo, desqualificar a memória, os sujeitos e a produção dessa população é algo inerente ao processo competitivo que está posto.
Nessa disputa, as comunidades campesinas lutam pela efetivação das políticas públicas que atendam as especificidades do campo, com destaque para a garantia de melhores condições de vida para as pessoas idosas. A “garantia da participação política e organizativa dessas pessoas no conjunto do movimento, como também estabelecer diálogo com outros atores, incluindo as universidades, como forma de ampliar os conhecimentos e qualificar a atuação desse no próprio movimento e nos demais espaços de controle social”, definidas como políticas e registradas nos Anais do 9º Congresso Estadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais/2014, são alguns exemplos.
Mas o envelhecimento da população é um desafio mundial, principalmente porque, como já falamos, não estamos preparados para essa realidade. O Estado brasileiro, pensando na proteção da sociedade que envelhece, ainda que tardiamente, concebe instrumentos legais que normatizam e reconhecem essas pessoas não apenas como “objeto” da política e da assistência, mas como sujeitos de direitos. Em sendo assim, e como um marco nessa compreensão, é instituído o Estatuto do Idoso, por meio da Lei 10.741, em 1º de outubro de 2003. No entanto, ainda no campo da invisibilidade, poucas pessoas incluindo os idosos, especialmente os do campo, conhecem e respeitam-no.
Temos, portanto, enquanto civilização do conhecimento e da informação, um grande desafio. Resignificar a ideia equivocada de que as pessoas idosas desmerecem respeito. Voltemos a cultuar a memória, o poder da ancestralidade, a capacidade de participação e da contribuição com outros saberes que os idosos possuem. É urgente a necessidade de desconstruirmos a imagem discriminatória, promovida especialmente pelos meios de comunicação de massa, que insistem em apresentar equivocadamente, mas não de forma inocente, a pessoa idosa como seres improdutivos e estagnados. Para o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura (MSTTR) o enfrentamento dessas questões representa uma incitação ainda maior. O dever é de toda a sociedade e nós, do MSTTR, engrossamos essa fileira.